Aline Lima

Ainda não está confirmado, mas a volta dos ensaios técnicos para o Carnaval 2019 no Rio de Janeiro está cada vez mais longe de acontecer. Com gastos de aproximadamente de R$ 4 milhões por temporada, a Liga das Escolas de Samba do Rio (Liesa) não tem condições de bancar os custos sozinha e até o momento não conseguiu o patrocínio de empresas para investir nos treinamentos que durante 15 anos foram realizados com a Marquês de Sapucaí lotada.

Fundamentais para todos os segmentos, o ensaio técnico é o momento em que as escolas de samba carioca testam seus principais quesitos, detectam problemas para serem corrigidos, além de servir como termômetro popular, já que acontecem nos meses que antecedem os desfiles e têm entrada franca.

Pra entender a importância, basta assistir pelo menos um desfile e perceber que ele vai muito além da euforia de cada componente: tem a iluminação, som, postura corporal. Só que para tudo fluir exatamente como tem que acontecer, o elenco ensaia muitas vezes pra quem estiver na Sapucaí assistir uma apresentação perfeita. E com a ausência dos ensaios técnicos pelo segundo ano consecutivo, os impactos nas apresentações são nítidos.

Pensando nisso, reunimos os comentaristas do Carnaval Interativo par falar sobre os problemas causados em seus segmentos com a falta dos testes. Veja abaixo:

Natália Pereira

“Tecnicamente falando eu acho muito ruim ficarmos mais um ano sem ensaios técnicos não só para os casais de Mestre-Sala e Porta-Bandeira, mas a escola como um todo é a mais prejudicada. E ensaiar na rua não é a mesma coisa. Com isso perdemos evolução, noção de espaço, pois precisamos entrar corretamente na frente do jurado, numa distância que fique nítida para visão do jurado como um todo da coreografia e desenvolvimento do casal. E o principal, não contar com o calor do público, e a energia de toda uma comunidade que é fundamental para evolução da escola. Isso só se vê nos ensaios técnicos.”

Tathiane Queiroz

“Levar os ensaios para a Avenida Marquês de Sapucaí, além de atrair e trazer o público (que muitas vezes não participa dos desfiles oficiais) para perto, proporciona às agremiações a possibilidade de analisar o processo e desenvolvimento de cada segmento. É um ótimo momento para os diretores de Harmonia, por exemplo, perceberem o entrosamento dos seus componentes com o samba, o canto, a evolução de cada um, de cada ala, a aceitação do samba pelo público. É possível, também, analisar a montagem da escola ala a ala. Nos ensaios de rua de cada escola também existe a oportunidade de análise, mas é no ensaio técnico, que ocorre no palco oficial dos desfiles, que é possível fazer essa análise mais técnica e isso, mais um ano, as escolas perderão.”

Rafaela Bastos

“Um grande espetáculo requer grandes cuidados. Não conheço sequer um que não tenha um ensaio. Cada escola de samba faz, na sua passagem pela avenida, uma grande apresentação. Para tal, seria o mínimo o direito a 1(um) ensaio. A Sapucaí é o único palco no mundo que é uma reta em 360°, explico, o artista que ali se apresenta é visto de todos os ângulos e, portanto, ter a chance de realizar 1(um) ensaio é essencial para a sua performance. No caso específico do segmento Passistas, algumas surpresas e a questão da distância entre as filas só se consegue ser testada com maior assertividade na Marquês de Sapucaí. Quem mais perde com isso é o mercado cultural da cidade, que deixa de atrair turistas para um evento que além de gerar retorno econômico, absorve trabalhadores de diversas áreas, artistas, empreendedores, empresários e, por vezes, dá um fôlego a uma cidade com altos índices de desemprego.”

Thales Nunes

“O prejuízo é enorme porque os ensaios técnicos acontecem dentro do ‘terreno de jogo’, que é o Sambódromo, e ele serve para ajustar a temporização do desfile, espaçamento entre alas e outros detalhes que passam despercebidos pelo público que vai assistir no dia oficial. Algumas escolas podem até ter um espaço considerável para treinar, mas não é a mesma coisa do que ensaiar dentro das medidas da Sapucaí. É uma perda absurda em vários aspectos, não somente para avaliar a Harmonia da escola, mas para todos os segmentos e quesitos de chão. Não temos como sentir a vibração do samba-enredo com o público, que por incrível que pareça, eles são mais afetuosos com as escolas de samba, que chega a afetar diretamente essa população mais humilde da cidade que curte de verdade o carnaval, mas não tem condições de comprar os ingressos. Tudo isso acaba contribuindo com o afastamento destas pessoas da própria festa. E vale lembrar que o Carnaval passa por um problema grave que é a falta de reposição de baianas, passistas…as alas das comunidades não lotam tão rápido como antigamente, as vendas de fantasias não estão movimentadas e tudo isso acaba influenciando com o futuro dos desfiles que é bastante preocupante.”

Guilherme Salgueiro

“O cancelamento dos ensaios técnicos na Avenida Marquês de Sapucaí comprova uma certeza: a de que o prefeito pouco se interessa por cultura, especialmente as que não pertencem à igreja neopentecostal. Então, mesmo agora, depois de dois anos seguidos deste desgoverno, pessoas de dentro do meio do samba ainda parecem defendê-lo. Ou usar a falácia de que o município, estado e país passam por grande crise, e nós pensamos somente no Carnaval. Bom, levando em consideração de que a verba para o espetáculo não vem de “desvios” de outras pastas, como educação ou saúde, mas sim de uma pasta destinada à cultura, ainda há os desinformados que jogam pedras sem ao menos procurarem se informar. Seguindo o raciocínio, ainda falacioso, não vimos quaisquer melhorias nas áreas supracitadas. Aconteceu algo mais grave, a verba somente não foi destinada, como a prefeitura está fechando clínicas, e as escolas encontram-se sucateadas. Este é um governo que prometeu cuidar das pessoas. Imaginem se não fosse! Vamos lá. Cultura não pode ser tratada como gasto, mas sim como investimento. Os ensaios técnicos geram lucro sim, desde a tia que vende cachorro quente, o moço da cerveja – serviços que todos nós usufruímos durante as tardes/noites de eventos -, até as empresas de aluguel de carros de som, as estamparias que produzem as camisas das alas que se diferenciam e se organizam dentro das escolas pelas cores ou números diferentes, as empresas de ônibus que alugam suas frotas para levar componentes das agremiações até o sambódromo e retornar com os desfilantes até o ponto de origem. Todos esses serviços lucram. Portanto não haver ensaios significa fazer com que o capital na cidade não gire, as pessoas não obtêm renda e com isso não consomem outros serviços. A economia estagna. Há setores dentro da escola para os quais o ensaio técnico é primordial. Cito aqui o que me representa diretamente: bateria. Como conseguir juntar ao menos uma vez quase em sua totalidade o número de ritmistas para se observar como andam o ritmo, as bossas, o deslocamento geográfico na avenida, sem que seja no ambiente em que sua execução mais importante se dará? Na maioria das vezes, as quadras e os ensaios de rua não possuem as dimensões da avenida, tampouco sua acústica. Também é nos ensaios técnicos que os julgadores têm seu primeiro contato com as baterias a serem analisadas. É lá que muitas vezes, pela primeira vez, é que são ouvidos os toques de caixa, desenhos de tamborim, afinação dos surdos. Portanto, o grande teste para o grande dia é feito no ensaio técnico. As arestas são limpas lá, os detalhes acertados, decisões sobre estratégia de desfile são tomadas neste dia. A falta desse teste só prejudica o espetáculo, que vem perdendo seu brilho há tempos por vários motivos, sobretudo por interesses comerciais e desmandos políticos de quem comanda a festa e de quem comanda o estado. Os versos do samba da São Clemente de 2001 fazem todo sentido “E o meu povão do carnaval não pode mais participar/no troca-troca deu lugar para o turista cochilar*”.”

Gabriel Castro

“O impacto é grande. A impossibilidade dos ensaios técnicos interfere diretamente no resultado final do trabalho. Todos os artistas e todos os atletas ensaiam ou treinam no local de apresentação ou de competição, com o samba no pé não seria diferente. Não ensaiar no nosso palco maior deixa a preparação com uma lacuna. Sem contar com a movimentação financeira que gera renda a profissionais ligados, como costureiras, alfaiates, sapateiros e tudo relacionado a vestimenta e uniforme. Porém quem mais sofre com isso é o grande público que perde a oportunidade de ver sua escola passar na avenida, já que no grande desfile o valor expressivo dos ingressos sectariza pessoas.”

Leonardo Oliveira

“O prejuízo é que na maioria das vezes os ensaios técnicos de algumas agremiações são bem próximos ao carnaval, então alguns coreógrafos usam desse momento para passar a coreografia oficial da Comissão de Frente e talvez consertar possíveis ajustes e testar algo que ainda pode ser funcional ou não … até mesmo alguns movimentos. O que ainda “ajuda” os artistas é que eles podem usar a Sapucaí para ensaios noturnos ao longo da semana, mas, lógico que ter o termômetro do público é um grande diferencial e lógico que alguns “preparam” um show para o público presente que muitas das vezes não tem condições de assistir o desfile oficial.”

Phelipe Lemos

“A falta dos ensaios técnicos tem dois lados: O lado ruim é que deixamos de apresentar para o público a nossa coreografia, que na maioria das vezes tem trechos da parte que valerá pro desfile oficial. O povo é o nosso termômetro para a conquista dos 40 pontos, e sem contar que deixamos de fazer a alegria daqueles que não tem a condições de pagar os valores cobrados nos ingressos. O lado bom é que para os julgadores será uma surpresa. Não seremos “avaliados” antes, então temos a chance de fazer o nosso sem ser julgado, comparando com o que apresentamos nos ensaios técnicos, caso a gente cometa algum erro, só o casal e a equipe saberão.

Thayane Cantanhêde

“O prejuízo para nós que trabalhamos com o Carnaval é muito grande, porque lá é o nosso termômetro. No ensaio técnico é onde colocamos em cheque todo o nosso planejamento do ano em prática, onde podemos ver o que realmente funciona dentro da avenida. Esse é o dia que mais se assemelha com o dia do desfile oficial, onde a partir do resultado podemos avaliar e acertar os pontos que precisam ser ajustados, como entrada e saída de box, bossas, coreografias, andamento da bateria para garantirmos a nota máxima.”

Marcello Motta

“O samba-enredo é o quesito que menos tem interferência com o ensaio técnico, mas é o que mais sofre sem ele. Principalmente se for pensar na interação com o público porque não tem como um jurado não olhar para a reação vinda diante de uma arquibancada lotada cantando as obras escolhidas para ser o hino oficial das escolas. E quando deixa de acontecer o ensaio técnico, deixa de ter uma das mais importantes formas de divulgação daquele samba, daquela escola e do carnaval propriamente dito para a grande população que ainda gosta de ver os desfiles. Nos dias de hoje já é tão restrito ouvir o gênero samba-enredo, são poucos canais de divulgação, são poucos lugares que tocam e o que nos salva é a internet e os dias de ensaios.”

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