Começo esse texto com uma pergunta: onde está a alegria do carnaval? Bom, modéstia a parte Alex Lima tem toda razão quando diz que ela pode ser encontrada na ala de passistas. Sim! Eu concordo. É ali, exatamente em cima de belos saltos ou sob os brilhantes sapatos de verniz que encontramos boas doses de suor, comunidade, chão, garra, amor e o um desejo lindo de riscar o chão. Uma vontade moldada, dia após dia, ao longo de um ano inteiro.

Nesta semana, eles ganham destaque no Carnaval Interativo. Compartilham suas histórias, lembranças, sonhos, desejos e abrem o coração na tentativa de explicar ao menos um pouquinho da importância desta arte tão sagrada.

Com pé direito, quem dá o start é a carioca Georgia Gomes, também conhecida como a “Diva do Leque”, que começou a desfilar como passista ainda pequenininha, com 6 anos de idade, agregando passagem por quase todas as escolas de samba do carnaval do Rio de Janeiro, desde o Grupo de Acesso até as agremiações que brilham lá na Avenida Rio Branco. “Um momento importante? Eu tenho dois! Quando fui campeã do prêmio Estrela do Carnaval pela Unidos de Vila Isabel como melhor passista do Grupo Especial e o segundo foi uma homenagem recebida durante o ensaio técnico, pela ala de passistas da São Clemente. Todas da ala estavam com leque em minha homenagem. Eu chorei bastante, foi bem marcante, emocionante demais”, recorda-se.


Georgia Gomes tem passagem por diversas escolas carioca.
Foto: Arquivo Pessoal

Ser passista?

“É ter grande responsabilidade de ser o cartão de visita da arte chamada samba. Afinal, quem nunca viu ou se encantou com um passista? É a peça chave, porém nem sempre é valorizada. É ser a galera que samba na Sapucaí ou na Intendente com o mesmo amor. É a galera que se vira nos 30 para estar ali, incrivelmente lindo, mesmo sem ter condições. Vocês conseguem mensurar o custo para ser passista? É bem puxado… É ser o coração e a emoção. Você já olhou nos olhos do passista durante a apresentação da sua escola? Ele pulsa, ele se entrega, ele ama estar ali. É ser artista mesmo que depois ele se desmonte todo e pegue o ônibus para a vida normal. Se todos olhassem para o passista com esse olhar, entenderia que ele MERECE todo o respeito, apoio e valorização”, define a passista.

Júlio Neves é filho de ex-baiana da Portela com Velha Guarda da Imperatriz Leopoldinense. Olha essa mistura! O passista entrou no carnaval ainda como embrião, quando veio ao mundo, os pais já não desfilavam mais. “Em 2005 fiz meu primeiro desfile para a Tijuquinha do Borel e nunca mais fiquei um ano sem pisar na avenida. Me tornei passista da Unidos da Tijuca em 2015, escola que defendo desde que entrei para o carnaval”, explica.


Júlio Neves integra a ala de passistas da Unidos da Tijuca desde 2015.
Foto: Arquivo Pessoal

Para o profissional de educação física, a arte é algo que transcende o sorriso, um momento mágico de levar o samba aos olhos do mundo, por meio de história, alegria e resistência. “Em 2018, após o ano mais difícil da agremiação e a difícil tarefa de abrir os desfiles de segunda, a reação do público com a nossa passada e volta por cima foi arrepiante. Foi uma energia incrível”, recorda-se.

A arte como válvula de escapa

“Ser passista é magico. É uma válvula de escape desse mundo pesado em que vivemos. É levar a arte do samba, é honrar uma comunidade, é colocar alma nas notas musicais dos sambas enredo. É levar ao mundo a nossa felicidade, nossa essência”.

Na ponte aérea RJ-SP, partimos para o interior da grande São Paulo, Jundiaí. Ana Paula de Carvalho é mais uma apaixonada pela arte do samba, e que reúne bons momentos na folia. O carnaval começou desde cedo, com a participação de toda a família, mãe, pai, tias, avós e assim por diante.

Jovem foi rainha do carnaval Jundiaiense aos 16 anos
Foto: Arquivo Acadêmicos do Tatuapé

Carnaval em família

“Todas elas participavam ativamente, era aquilo de dormir no barracão, fazer fantasia mesmo e foi nisso que começou a minha paixão. Eu gostava de samba no meio das lantejoulas, pedrarias e ficava encantada com as passistas, rainhas, madrinhas e musas. Com 13 anos minha família foi convidada para participar da Escola de Samba União da Vila Rio Branco, e eu entrei na ala de passistas. Aos 14 anos, veio o convite para se tornar rainha mirim da agremiação e aos. Quando eu estava com 16 anos, minha mãe me inscreveu para o concurso da Corte do Carnaval de Jundiaí, e eu ganhei. Depois disso passei pela Arco Íris como rainha durante 7 anos e mais três como madrinha. Eu aprendi muito, o que era ser uma rainha, todos os ensaios eu estava lá de verde e rosa. Em 2016 eu descobri que estava grávida, e acabei não desfilando na Acadêmicos do Tatuapé. Mas no ano seguinte e em 2019 eu estive lá, firme e forte. É amor, a sensação é única. Só quem gosta de carnaval”, comenta.

Para o Carnaval de 2020, a cena se repete. A jovem que está de 3 meses, pretende desfilar grávida à frente da bateria da Unidos da Zona Leste como musa – cargo que ocupa há três anos. Para ela, é sonho realizado, desfilar grávida, ao lado da família e das pessoas que gostam de sua arte.

“Ser passista é sentir o coração bater no pé, no recuar da bateria, no tamborim, é aquele momento único, de euforia, de amor por carnaval. É quando o pé, sem motivo algum, começa a sambar e passar toda aquela alegria, toda a simpatia que a passista tem, isso transparece através do seu bailar. É uma sensação maravilhosa”, destaca Ana.

Finalizando o nosso especial de passistas: Matheus Mendes. Passista da Unidos de Vila Maria. Para ele, contar a história em sua escola do coração é revirar um conjunto de sentimentos, lembrar de pessoas especial que estão aqui lendo essa matéria e outras que, infelizmente não estão mais diante deste plano espiritual. “Meus pais eram muito baladeiros, acho que herdei geneticamente isso, frequentavam os mais diversos bailes que haviam na cidade: Clube da Cidade, Botequim do Camisa e até hoje meu pai vai à Casa de Portugal”, explica.

Matheus Mendes foi consagrado como Passista Eterno da Unidos de Vila Maria
Foto: Arquivo Pessoal

Sabe aquela recorrente história de: meu filho irá casar, irei ceder um pedacinho de terreno? Foi exatamente desta forma que aconteceu com a família do jovem na Rua Kaneda e a Vila Maria. Os tios de Matheus cresceram por ali e conforme foram se casando, a construção foi aumentando, a rua era praticamente o quintal de sua casa. “A sede da Vila Maria ficava em frente da nossa casa e em um tempo onde o acesso à cultura era limitado, tudo o que tínhamos era o que havia próximo da região, por isso, além de nós, vinha gente de todos os lugares”.

Por anos, Matheus acompanhou os desfiles da agremiação, ensaios, eventos e shows, em 2008 a realização de um grande sonho: “Bem desajeitado e sem experiência, entro na ala de passistas, sob a coordenação de Maria Helena. Comprei minha fantasia e fui com a cara e a coragem, afinal eu queria mesmo era sambar, do jeito que eu achava que era samba (…) Depois da ala de passistas fui para outros segmentos, como o departamento jovem, destaque das passistas e outros lugares. Em 2016 depois da Brunetty Montilla ter aberto esse espaço no carnaval, pois até então não havíamos um nome que nos representava, um passista homem gay sambando como mulher? No entanto, porém o diretor Marcelo Muller junto Victor Moreira, coordenador das musas em 2016, que tenho um carinho e respeito muito grande, me chamaram e fizeram esse convite para ser Passista Eterno da Escola e que no último ensaio técnico no Anhembi receberia minha faixa, foi a maior emoção da minha vida, chegar depois de toda história que vivi, desafios que passei receber esse presente, não consigo mensurar a variação de emoções que tive”, recorda-se.

“Hoje vivo o auge da minha história, nos sambas da vida as pessoas me reconhecem como Matheus da Vila Maria, existe presente maior que esse o reconhecimento pela comunidade que você representa? Quero te agradecer pela oportunidade de abrir o espaço para nós passistas gays conte um pouco da nossa história no mundo do samba não somos melhores ou piores que ninguém somos também um personagem dessa grande festa chamado Carnaval. Agradeço também a minha comunidade e Presidente Adilson pelo reconhecimento””, finaliza.

(Texto: Caroline Ferreira / Imagem Capa: Carnevalerio)

1 COMENTÁRIO

  1. Lindas as estórias,sempre me emocionam…todos deveriam saber um pouco mais,desses Artistas Anônimos …que abrilhantam não só a Passarela do Samba,que é tão rápido…mas nos ensaios e apresentações..são a alegria nas quadras,na arte do samba no pé! Parabéns pela matéria,pela iniciativa de dar atenção e prestigio ..a essa Ala…que em algumas agremiações agoniza,mas nunca morrerá!Abraços.

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