Ao longo dos anos os enredos tem colocado o dedo na ferida em relação aos acontecimentos políticos e sociais do país. Cada vez mais contundente, as críticas deslancham através de letras irreverentes e temas que dialogam diretamente com o público presente no Sambódromo. A Caprichosos de Pilares foi uma das pioneiras a fazer uma crítica escrachada e ousou no carnaval de 1985 (nos últimos suspiros da ditadura), apresentou sobre o feliz cotidiano que antecedente a época do regime militar, que mesmo com a censura encrencando com o samba, ainda assim versos com “Diretamente, o povo escolhia o presidente” explodiram na Sapucaí.

A Caprichosos de Pilares virou símbolo da época e deslanchou com letras irreverentes e temas cada vez mais políticos e levou a escola a sua melhor colocação. Foto: Reprodução Internet


Passados 35 anos do enredo “E por falar em saudade” ele se torna cada vez mais atual. Em entrevista ao Carnaval Interativo, Luiz Fernando Reis, carnavalesco que assinou o desfile em parceria com o figurinista Flávio Tavares, disse que se trouxesse a temática do desfile para a situação em que o país se encontra hoje faria muitos ajustes porém manteria o tom crítico de forte voltagem expressando o clima social e político do país e cutucaria principalmente os governantes de hoje: “Eu traria novidades e falaria muito sobre a saudade da democracia. Hoje o momento político é uma tragédia nacional, é a pior coisa que podia acontecer com o país. É lamentável o que está acontecendo. Nós estamos voltando à ditadura e o povo está achando tudo normal e natural. A cultura sendo jogada no lixo, a educação sendo jogada no lixo, a sociedade brasileira tá sendo tratada como lixo, portanto eu teria muita coisa pra falar.”

Os desfiles contemporâneos cada vez mais buscam resgatar a expressão popular, que era muito característico nos anos 80 de fazer com que o povão se enxergue nos enredos com temas do cotidiano. Porém, mesmo sabendo que o processo é lento, Reis não vê com bons olhos o momento em que se encontram as escolas de samba: “Hoje em dia eu vejo com muito pessimismo, a gente vê uma crítica ao enredo da Mangueira, mas ao invés das escolas de samba se unirem a favor disso, elas estão com o discurso de censurar a escola para o bem do mercado.”

O carnavalesco e comentarista Luiz Fernando Reis, um dos autores do enredo “E Por Falar Em Saudade”, da Caprichosos de Pilares analisa o momento crítico em que o carnaval se encontra: “O samba agoniza, mas eu acho que ele está morrendo”. Foto: Reprodução Internet

Outro ponto lembrado pelo carnavalesco e que vem diminuindo a cada ano é a falta de comunicação entre arquibancadas e escolas de samba durante os desfiles. Naquele ano, a Caprichosos teve uma resposta imediata do público presente que muitos a adotaram como a segunda escola para torcer, fato este que foi se perdendo com o tempo e hoje já não é visto com frequência. “Nós perdemos uma coisa mágica, importante no carnaval que é o romantismo e as escolas de samba hoje se tornaram um grande negócio. A proposta não é interatividade com o público ou congraçar uma comunidade entorno de uma agremiação, o grande interesse é de ganhar carnaval. É uma paranoia em ser maior, em ser melhor. Essa falta de diálogo com o público vem quando as próprias escolas de samba acham natural em não ter ensaio técnico, e pra mim deveriam ser tão importantes quanto um quesito. As escolas gastam milhões em Alegorias, em Comissões de Frente, mas não pensam em gastar R$ 100 mil pra realizar um treino aberto para o público. Os dirigentes não percebem que essa interação escola de samba, o componente e o público assistente é fundamental porque quem vai assistir são aquelas pessoas que não tem condições financeiras de estar na Sapucaí e naquele aperitivo, você cria uma ambientação do carnaval que está chegando”.

O relacionamento do público com as escolas de samba vem sofrendo um certo desgaste. A falta de interesse pelo cotidiano das agremiações vai além da alta temporada do pré-desfile. Para Reis, a transformação das instituições em grandes empresas influenciaram para a perda de adeptos assim como as tradições. “Esse empresariar está fazendo perder adeptos a cada ano e quando o samba perde o romantismo, é difícil de voltar atrás. Outro exemplo é quando se decide em não realizar concurso de samba-enredo e escolhe alguém pra fazer o seu samba, com isso se retira o convívio entre os componentes, a ambientação da população com as escolas de samba naquele período. Estou vendo a hora de que vai chegar o momento do componente começar a cobrar para desfilar e com isso vai se deixando a vontade de ter o prazer em desfilar e as escolas não estão percebendo isso porque estão pensando como empresas. E quando se falava sobre isso era em outro sentido, era de dar garantias trabalhistas para seus colaboradores como condições de sustento, de gestão, que as escolas pudessem se gerir, mas não, eles pensam em ser empresa para oprimir mais seus trabalhadores.”

Para celebrar a data, Caprichosamente vamos reviver o dia em que a Sapucaí parou.

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